sábado, 17 de maio de 2008

Quando os Brutos se Defrontam




Título original: Faccia a Faccia
Ano de produção: 1967
Direção: Sergio Sollima
País: Espanha / Itália
Estrelando: William Berger, Jolanda Modio, Carole André, Gian
ni Rizzo

Sergio Sollima foi um dos diretores que formou a tríade dos “Sergios” realizando grandes clássicos do western spaghetti junto com Sergio Corbucci (Django e O Grande Silêncio) e Sergio Leone (que não é preciso dizer nada). O talento de Sollima não fica muito atrás destes dois e o seu Quando os Brutos se Defrontam é um brilhante exemplar do gênero. Possui trilha de Ennio Morricone e uma direção de fotografia bastante sofisticada que ocupa todo o scope com riqueza de detalhes.



O filme trata das transformações de personas utilizando os elementos mais simples da dualidade humana como o bem e o mal, o certo e o errado, etc. O fato é que existe o professor de história Brad Fletcher, interpretado por Gian Maria Volontè (o vilão de Por um Punhado de Dólares e Por uns Dólares a Mais), sujeito de um ótimo caráter que sofre de uma doença e procura paz em uma cidadezinha no período da guerra civil. Do outro lado, temos o oposto, Solomon 'Beauregard' Bennet, encarnado por Tomas Milian, um dos maiores astros do western spaghetti. Bennet é um perigoso Fora da Lei que seqüestra o professor em determinada situação.



A brutalidade intrínseca na Alma de Bennet gera uma certa admiração pelo bondoso professor. Gradativamente, Sollima vai trabalhando as mudanças, frutos da relação entre os dois, que já não é mais de seqüestrador-refém. Uma certa seqüência chave, onde Fletcher salva a vida de Bennet e comete seu primeiro assassinato, dá início a uma série de reflexões, principalmente por parte do pistoleiro, que questiona a utilização da violência em seu modo de vida, enquanto o professor passa a ser afetado pela frieza e o gosto de sangue. É um tanto filosófico para o publico acostumado apenas em ver o confronto entre o bem e o mal sem refletir sobre a natureza desses elementos.

Ronald

Cavalgada no Vento



Título original: Ride in the Whirlwind
Ano de produção: 1965
Direção: Monte Hellman
País:
EUA
Estrelando: Jack Nicholson, Cameron Mitchell, Millie Perkins, Rupert Crosse

Dois caras em cima de uma montanha empunhando rifles, eles descem, se encontram com mais alguns (acho que dois), há um assalto, e vem os créditos com aquela trilha ótima de fundo. Esse é o início de um dos mais incríveis e subestimados westerns de todos os tempos.

É um western diferente, quebrando a tradição de pistoleiro fodão e bandido badass motherfucker, sem frescuras e sem exageros, é simples e eficaz.



Na história, três vaqueiros (Cameron Mitchell, Jack Nicholson e Tom Filer) estão se dirigindo a Wako, e no caminho se encontram com os assaltantes do começo em uma cabana, onde eles resolvem ficar (não exatamente na cabana - pois ela é pequena - eles dormem do lado de fora), no dia seguinte os três vaqueiros acordam e vão selar seus cavalos para seguir viagem, mas um bando de vigilantes começa um tiroteio com os assaltantes, daí pra frente é o Jack Nicholson e o Cameron Mitchell fugindo dos vigilantes, tentando escapar da forca.

O filme traz roteiro de Jack Nicholson (deve ser por isso que é um tanto mais “normal” que The Shooting) e direção impecável de Monte Hellman, foi feito simultaneamente com - citado acima - The Shooting.

Cavalgada no Vento é um western silencioso, sem heróis e bandidos, sem pistoleiros fodões com frases de efeito, é um western sobre o acaso, injustiça e outras coisas.

Nas palavras de Quentin Tarantino: “Um dos westerns mais brilhantes e originais de todos os tempos”.

Então vá logo ver!

Rafael Fernandes

Pistoleiros do Entardecer




Título original: Ride the High Country
Ano de produção: 1962
Direção: Sam Peckinpah

País: EUA
Estrelando: Randolph Scott, Mariette Hartley, Joel McCrea, R
on Starr

No início dos anos 60, quando Sam Peckinpah, o poeta da violência, ainda não ostentava esta alcunha, o gênero faroeste ganhava, graças a ele, uma obra de sensibilidade única, o excelente Ride the High Country, que recebeu o digno nome de Pistoleiros do Entardecer no Brasil.

Ambientado maravilhosamente em uma época posterior à era clássica dos westerns, o filme narra uma aventura a qual o velho Steve Judd (Joel McCrea) se voluntaria a transportar uma carga de ouro, da mina até o banco da cidade. Para conseguir se dar bem nesse trabalho, Judd contrata o reforço de Gil Westrum (Randolph Scott), um velho amigo dos old times e de Heck Longtree (Ron Starr), uma espécie de jovem aprendiz do velho. Durante a viagem, a jovem Elsa Knudsen (Mariette Hartley) se agrega à trama, formando par romântico com Heck, um romance que é extremamente bem conduzido e que oferece um dos detalhes mais belos da história.




Numa tradução literal, "Ride the High Country" significa “Cavalgada no desfiladeiro”, referência mais do que clara ao trajeto percorrido pelo grupo durante a viagem, que, na verdade, não tem objetivos mercenários, como o fanático pai da jovem Elsa afirma, mas, sim, nostálgicos. A nostalgia está nas conversas de Judd e Westrum, que nunca são aleatórias, pois se tratam de escolhas, sejam as que já foram tomadas ou aquelas que ainda podem ser feitas. E no confronto das idéias pessimistas articuladas de Judd com as – provavelmente – sábias de Judd, o casal de jovem não se preocupam. Nem com a frágil amizade, nem com o ouro que estão carregando, muito menos com filosofias sobre a vida, mas se concentram no agora, no romance e na paixão. Esse comportamento serve de contraste com as atitudes e comentários dos velhos, que são carregados com desesperança, como se não valesse à pena se preocupar com um momento que pode nem chegar, enquanto os jovens se concentram em ‘viver’ o futuro: vou me casar, vou aprender, vou te levar, vou ficar livre, etc.

Durante o caminho de volta, Westrum tenta roubar o outro do ex-amigo, com a ajuda de Heck, mas não consegue, sendo os dois então, obrigados a voltar para a cidade algemados. Pela traição, os dois velhos amigos se separam, voltando a se encontrar mais tarde, onde, juntos, duelam com três homens, e vencem, parcialmente. Parcialmente porque Judd é atingindo por vários tiros e morre ali m esmo, no ponto mais baixo do desfiladeiro, bem perto da cidade, na cena mais bonita e significativa do filme.




Peckinpah tem aqui uma direção formidável, que oferece um bom suporte ao filme, já que a história, apesar de bonita e cheia de boa intenção, é inconstante, enfraquece em vários momentos, especialmente naqueles que antecedem a chegada de Judd, Heck e Elsa ao cenário final, já mencionado no último parágrafo. Mas com um excelente uso da trilha, da edição e de filmagem, o filme conta com toques expressionistas, que são até usuais nos filmes do poeta, numa espécie de réquiem effect, que pode ser observado em cenas como a que fecha o filme ou o casamento de Elsa, por exemplo. Peckinpah magnífica o roteiro de NB Stone Jr (que ele ajudou a escrever) e faz com que Pistoleiros do entardecer (poético nome, numa das “traduções” mais acertadas já feitas) seja um filme incrível, inteligente e divertido demais.

Guilherme

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Os Quatro do Apocalipse




Título original: I Quattro dell'Apocalisse
Ano de produção: 1975
Direção: Lucio Fulci
País: Itália

Estrelando: Fabio Testi, Michael J. Pollard, Lynne Frederick, Harry Baird

Antes de ganhar notoriedade como Pai do Gore, Lucio Fulci passeou por diversos gêneros, como neste Os Quatro do Apocalipse, um western spaghetti estilizado e nada convencional que, além do tiroteio básico dos filmes de bang bang, apresenta violência extrema, elementos de terror, perversões de várias formas e até canibalismo, chegando a ser censurado em vários países na época de seu lançamento.




O filme é a subversão em potencia máxima da premissa “estereótipos-diferentes-na-mesma-situação”. Uma versão grotesca de No Tempo das Diligências, de John Ford, mas não menos interessante. São quatro sobreviventes que fogem numa carroça depois de um massacre ocorrido em um pequeno povoado. Um jogador de pôquer (Fabio Testi), uma prostituta grávida (Lynne Frederick), um beberrão (Michael J. Pollard) e um negro pirado (Harry Baird). Durante o trajeto, encontram Chaco, interpretado pelo grande ator cubano Tomas Milian, um pistoleiro que é uma das figuras mais sádicas da história do western spaghetti.




A direção exagerada de Fulci explora a violência física e psicológica sem precisar utilizar as fórmulas básicas do gênero. O roteiro alucinante de Ennio De Concini concentra-se na química formada pelos quatro personagens centrais, além da viagem pelos cenários desérticos do velho oeste e nas mais absurdas e imprevisíveis situações, como na insólita cena do cemitério e no final que é de uma bela bizarrice poética que carrega o emblema do nascimento de uma esperança para o mundo dos homens, por mais sádico e sangrento que seja o caminho a ser traçado.

Ronald

El Topo




Título original: El Topo
Ano de produção: 1970
Direção: Alejandro Jodorowsky
País: México

Estrelando: Alejandro Jodorowsky, Alfonso Arau, José Legarreta

Quando tinha certeza de que já havia visto de tudo em matéria de faroestes, eis que surge El Topo para confirmar que tudo nesse mundo, por mais velho que seja, pode ser recriado. A minha surpresa não era pequena, pois se pode dizer que em 1970 tudo de definitivo no western já havia sido lançado pelas mãos de John Ford, Howard Hawks, Delmer Daves, Anthony Mann, Sergio Leone, Sam Peckinpah e tantos outros, e naquele período existia certo consenso em considerar o gênero como em franco declínio. Pois Alejandro Jodorowsky utilizou os alicerces do gênero mais americano do cinema para reinventá-lo no deserto mexicano, usando e abusando de sua criatividade privilegiada. O filme transborda imaginação, como a maioria das películas de Jodorowsky, uma vez que seus filmes são quase como se Fellini ou Buñuel se aventurassem em gêneros os quais eles nunca quiseram se arriscar.



El Topo já começa com uma forte carga simbólica, com o personagem-título (interpretado pelo próprio Jodorowsky) montado em seu cavalo com seu filho pequeno despido (na melhor tradição ibérica das duplas de cavaleiros andantes) e com um guarda-chuva sob o sol escaldante do deserto. O pai ordena ao menino que enterre na areia seu primeiro brinquedo e o retrato de sua mãe, como um rito de passagem para o mundo adulto. El Topo, o personagem central, é assim chamado por que é o nome de uma criatura que escava na terra em busca de sol, apenas para se cegar quando chega à superfície. Ainda assim, o visual e o estilo do personagem podem nos primeiros minutos de filme enganar o espectador desprevenido levando-o a acreditar que está por assistir um faroeste convencional: o protagonista é um pistoleiro todo vestido de negro, chapéu e arma na mão distribuindo justiça nos lugares por onde anda. O destino o leva a um mosteiro, onde um coronel e seus capangas maltratam, humilham e seviciam os franciscanos, num cenário de horror, loucura e grotesco inacreditável, apenas suavizado pelo humor negro e cruel que acompanha essas seqüências delirantes. Com a intervenção de El Topo, os franciscanos fuzilam os marginais, o coronel é castrado, e o pai abandona o menino em troca de uma figura feminina que representará a sua perdição. Ao atravessarem o deserto, a mulher o desafia para que ele encontre e derrote um por um os quatro grandes Mestres das Armas. Cada um desses mestres é eliminado por El Topo, mas o interessante é que cada um deles à medida que o protagonista os encontra possui menos posses e materialismos que o anterior, ao ponto de o último dos Mestres estar completamente despojado de qualquer vicio desse mundo. Ao morrer nos braços de El Topo, este é que sucumbe. A mulher já não lhe pertence mais, entregue ao fascínio por outra pistoleira que cruzara os seus caminhos, e mortalmente ferido El Topo é recolhido por novos personagens que aparecem em cena.



Depois de muitos anos em coma, o protagonista acorda numa caverna onde vive aos cuidados de um grande número de deformados e mutilados, cujas figuras remetem diretamente ao clássico de terror Freaks (1932). A caverna é quase que uma releitura do mito de Platão, com os seres que nela habitam (todos frutos de longos incestos do povo da cidade próxima), não podendo sair de lá, e desejosos de verem a luz do sol e conhecer o mundo exterior (como o próprio significado do nome do protagonista). Este toma a decisão de libertá-los, e se dirige ao povoado acompanhado de uma das deficientes para concretizar seus propósitos. Essa ruptura é verdadeiramente um choque muito grande, por que agora El Topo passou por uma radical transformação e já não carrega armas e nem está disposto a usar da violência, e com um visual totalmente diferente, careca, purificado e em trajes simples e miseráveis, está mais para um profeta messiânico disposto a libertar seus discípulos do que para o anjo vingador e demoníaco que antes encarnara. Havia, finalmente, aprendido com os Mestres que derrotara, despojando-se de todas as suas vaidades pessoais e materiais e adquirido grandes doses de humildade e simplicidade, chegando ao ponto de mendigar utilizando-se de seu trabalho de artista de rua (onde Jodorowsky dá vazão a sua experiência com mímica, cujo aprendizado se deu com o grande Marcel Marceau). Aliás, essa metade final lembra muito alguns aspectos do primeiro longa do diretor, Fando y Liz, que também descrevia a jornada de um homem acompanhado de uma deficiente, sem que isso signifique em momento algum que Jodorowsky caia em eventuais repetições em sua obra. Há também outros trechos em que o humor crítico, feroz e impiedoso nos desperta um riso por vezes incômodo porém inevitável, como na cena em que um negro é abusado sexualmente por um grupo de mulheres ao mesmo tempo em que é acusado por elas de assédio, ou a tragicômica seqüência da roleta-russa dentro de uma igreja. São momentos que servem para levar à tona hipocrisias e injustiças que ocorrem em qualquer circulo social ou religioso.



O que nos fascina na obra de Jodorowsky é a habilidade de usar a escassez de recursos como um meio de invenção, e a coragem de mostrar alucinadamente coisas que pouquíssimos outros cineastas fariam, sem que os seus exageros visuais ou temáticos soem como gratuitos ou desnecessários. É com certeza um dos diretores que mais fugiu do convencional, das amarras do cinema tradicional. El Topo utiliza-se praticamente de todas as convenções dos westerns, mas estupra cada clichê do gênero para que este ressurja novo e original como seu cinema: grotesco, delirante, feio e belo. Nenhum outro faroeste se compara a este (sem que isso o torne, necessariamente, o melhor de todos). Vistos na época do lançamento como frutos de uma febre psicodélica, só agora os filmes de Jodorowsky vão aos poucos ganhando o reconhecimento que sempre mereceram. Uma prova de que o cineasta estava pelo menos uns trinta anos à frente do seu tempo. Pena que o diretor ainda não conseguiu concretizar a sonhada continuação de sua obra-prima, Os Filhos de El Topo, que transcorreria depois do apocalipse nuclear, quando toda a terra se torna um deserto, exceto a ilha onde o corpo de El Topo fora cremado, onde seus dois filhos cumprem um destino trágico que lhes era reservado. Há quem diga que o projeto só não saiu do papel porque Jodorowsky recusou-se a escalar atores famosos nos papéis centrais, preferindo usar os seus próprios filhos como protagonistas. O certo é que a não-realização dessa seqüência é uma das provas cabais de o quanto El Topo ainda é subestimado na história do cinema.

Vlademir

Meu Nome É Ninguém




Título original: Il Mio Nome è Nessuno
Ano de produção: 1973
Direção: Tonino Valerii, Sergio Leone (não creditado)
País: Itália / França / Alemanha Ocidental

Estrelando: Terence Hill, Henry Fonda, Jean Martin

Vi esse filme a pouco tempo e me surpreendi, esperava um filme sério e pelos comentários que li por aí, me enganei e cara, ainda bem que eu me enganei, a película é digna de boas risadas devido tiradas geniais. Esse western spaghetti pode ser bem um dos representantes do gênero, tem as melhores características do gênero e claro que isso deve a direção não-creditada, porém obvia, do Deus Sergio Leone e também de outro cineasta que é ótimo, Tonino Valerii. Pelo o que andei lendo e vendo, eu achei que em alguns momentos dá para perceber quem está dirigindo, Valerii ou Leone.

O filme é cheio de cenas fodíssimas, daquela de levantar e soltar um “puta que o pariu” ou um “caralho” pela cena ser tão foda, minhas preferidas são a do espelho, logo no início onde o Fonda mata dois bandidos em slow motion e a outra é o início do confronto final, onde a câmera vai se distanciando do Fonda e vai mostrando toda a imensidão do deserto sendo cortada pelo bando de 150 pistoleiros, ao som da bela trilha do Mestre Morricone, há várias outras cenas de uma beleza fodida, como as do bando cavalgando pelo Oeste.



Na minha visão, está bem claro que o filme foi feito pro Fonda, chega a ser uma homenagem a esse ídolo e essa minha opinião funciona assim: Terence Hill representa a nos cinefilos, que admiramos imensamente o trabalho de Henry, e ele está ficando velho, mesmo assim nos não perdemos a fé nesse gigante e queremos vê-lo em ação como ninguém nunca viu, nem que seja pela ultima vez (pra nossa felicidade o velho ainda atuou bastante), e o Henry faz aquilo que queríamos, matou 150 homens com apenas um rifle e deixou mais uma atuação digna de mestre. O Henry é Fonda (não tinha como não fazer a piadinha).


Também não posso deixar de falar do Hill, que é o grande forte da comedia do filme. As partes mais engraçadas e por vezes até criticas a sociedade, são feitas por ele, um ótimo ator que raramente lembrado quando o assunto é western.



Outra coisa que eu preciso ressaltar é a trilha do Morricone, que passou a ser minha preferida. Nunca nenhuma trilha do Morricone se encaixou tão perfeitamente - só Era Uma Vez no Oeste barra, ao meu ver - o tema My Name is Nobody, o que toca em momentos mais leves e engraçados, me lembram muita o jeito engraçado e ainda não maduro que o Hill passou pro filme com sua interpretação, e também lembra bastante a constante impaciência do Fonda que tem o Hill. Mas a melhor parte da trilha composta para o filme é o The Wild Horde, que é musica que representa os 150. Poética, ágil e domina todo o deserto, assim como os 150. Sem duvida, trilha perfeita para o filme perfeito.

Bom, é um western subestimado por uns e amado por outros. Mas no final todos nós, os eternos fãs do spaghetti, chegamos à mesma conclusão: a de que este filme é marco e um dos clássicos desse gênero que abre o nosso blog.

Kevin

800 Balas



Título original: 800 Balas
Ano de produção: 2002
Direção: Álex de la Iglesia
País: Espanha
Estrelando: Sancho Gracia, Angel de Andrés López, Carmen
Maura

Dois cowboys solitários se encaram em uma rua empoeirada do Velho Oeste. Uma bola de feno passa por entre os dois, enquanto suas mãos se retorcem buscando o cabo de suas respectivas pistolas. Uma trilha de faroeste que você deve conhecer muito bem começa a tocar...

Não, não estamos falando de um western de Sergio Leone, mas sim dos títulos de abertura de 800 Balas, filme de Alex de La Iglesia que homenageia as películas de “bangue bangue” , especialmente os western spaghetti. O filme todo é uma grande brincadeira com o gênero, cheio de referências e clichês que adoramos tanto.

A própria história está envolvida com o western. O pai de Carlos trabalhava como artista junto com o avô de Carlos num show que recriava cenas de filmes de velho oeste em seqüências perigosas. Um dia, algo dá errado e o pai de Carlos morre numa dessas apresentações, cortando as relações do avô do menino com seu neto e o resto da família, além do próprio, Julian, ficar atormentado com a culpa de poder ter cometido algum erro que teria causado a morte de seu próprio filho. Ele já havia tido um passado glorioso, quando gravavam os filmes no local dos shows, e havia até trabalhado com Clint Eastwood! Mas após a “morte” dos westerns, só restou para ele recriar, dia após dia, as migalhas de sua antiga carreira de prestígio num espetáculo em uma cidade cenográfica em ruínas com poucos ou nenhum visitante, e junto de um bando de loucos.



Numa mudança, Carlos descobre o passado do pai e do avô e vai buscá-lo, só para poder se confrontar com um bando de ajudantes insanos, o avô bebum e crianção, e até mesmo uma guerra com oitocentas balas reais entre os artistas que correm o risco de perder sua cidade de fantasia (cidade que é a única coisa que lhes resta), além do perigo de serem pegos pela polícia, que quer se ver livre daqueles doidos infestando o local.

O espanhol Álex de la Iglesia começou sua carreira em 91, com o curta Mirindas Asesinas, que em sua época de lançamento foi muito bem elogiado. Mesmo neste curta podemos ver o que moldaria o estilo de Iglesia. Sua utilização da violência, a implantação de referências cinematográficas e de gibis (ele mesmo trabalhou com gibis antes de começar a carreira de diretor) aqui e acolá, seu senso de humor negro e muitas vezes “esquisito”, tudo está aqui. E se as referências já aparecem em Mirindas Asesinas, apesar de serem poucas, em 800 Balas elas vem em número gigantesco.



Para começar, o filme foi rodado no deserto de Almería, na Espanha, mesmo lugar onde foram gravados clássicos do faroeste, como os filmes de Sergio Leone. Um dos personagens principais da trama se chama Cheyenne. Esse nome lhes lembra alguma coisa, algum papel interpretado por Jason Robards? Finalmente, o próprio Julian, o avô bêbado e fracassado de Carlos, havia sido o dublê de Clint Eastwood em filmes como Três Homens em Conflito, Por um Punhado de Dólares e etc, além de ter aparecido, mesmo que de relance, em obras como Patton - Rebelde ou Herói? e Sábata.

Porém, não apenas as referências citadas surgem como as estilísticas também. Espere closes expressivos nos rostos dos atores e nas mãos próximas as suas armas, tiros e mortes em câmera lenta, sombras se alongando nas areias do deserto, além de diversos momentos em que pensará “eu já vi isso antes”. O duelo final entre Cheyenne e Julian é praticamente igual ao duelo entre Harmônica e Frank, no final de Era uma Vez no Oeste.



Apesar de em certos momentos a quantidade de referências jogados no espectador incomodar um pouco, o filme não é apenas uma paródia do gênero, indo além de uma simples piada e misturando drama, comédia e ação em diversos momentos com um roteiro relativamente bem amarrado. Ocorre também uma desmistificação dos ídolos, uma descontrução do mito do “cowboy” justiceiro e que sabe sempre o que está fazendo. È claro que Carlos admira o avô, pois ele representa a liberdade que ele aspira por ter da sua mãe ultraprotetora (Carmen Maura) e que escondeu toda a história fantástica de sua família do garoto. Mas também não se pode negar que Julian é um bêbado irresponsável, que constantemente coloca o menino em situações que lhe poderia custar a vida, e que num acesso supremo de loucura, resolve fechar a cidade cenográfica com uma barricada e atirar para matar nos policiais que tentam invadir, situação que em um filme onde tratasse o lado do policial, Julian seria facilmente considerado o vilão. Seus companheiros de show parecem muito heróicos e corajosos em suas fantasias porém logo se revelam completos idiotas, traidores, malucos, negligentes, vagabundos e a lista de adjetivos pejorativos poderia continuar. No final, são todos verdadeiros derrotados, que não tem esperança de ganhar a vida senão entretendo as pessoas com um espetáculo pobre, e que se deixaram afundar nos seus personagens e hoje esqueceram a vida de verdade.

Num resumo final, 800 Balas é um filme basicamente de entretenimento, sem pretensões de ser realmente algo mais do que uma bela homenagem aos westerns. Bem-humorado, com boas cenas de ação, direção que não quer se mostrar demais, só o suficiente para deixar sua marca característica, 800 Balas não parecee em nenhum momento realmente um filme espetacular. Talvez se alongue mais do que deveria, porém, tendo ele sido realizado de maneira tão simples, sem tentar fazer revoluções cinematográficas ou o novo clássico do século XXI, acaba conquistando o espectador quando recorre à memória dos seus filmes preferidos, principalmente se esse espectador for fã de cowboys solitários que se encaram numa rua empoeirada do oeste.

Klaus