sexta-feira, 16 de maio de 2008

800 Balas



Título original: 800 Balas
Ano de produção: 2002
Direção: Álex de la Iglesia
País: Espanha
Estrelando: Sancho Gracia, Angel de Andrés López, Carmen
Maura

Dois cowboys solitários se encaram em uma rua empoeirada do Velho Oeste. Uma bola de feno passa por entre os dois, enquanto suas mãos se retorcem buscando o cabo de suas respectivas pistolas. Uma trilha de faroeste que você deve conhecer muito bem começa a tocar...

Não, não estamos falando de um western de Sergio Leone, mas sim dos títulos de abertura de 800 Balas, filme de Alex de La Iglesia que homenageia as películas de “bangue bangue” , especialmente os western spaghetti. O filme todo é uma grande brincadeira com o gênero, cheio de referências e clichês que adoramos tanto.

A própria história está envolvida com o western. O pai de Carlos trabalhava como artista junto com o avô de Carlos num show que recriava cenas de filmes de velho oeste em seqüências perigosas. Um dia, algo dá errado e o pai de Carlos morre numa dessas apresentações, cortando as relações do avô do menino com seu neto e o resto da família, além do próprio, Julian, ficar atormentado com a culpa de poder ter cometido algum erro que teria causado a morte de seu próprio filho. Ele já havia tido um passado glorioso, quando gravavam os filmes no local dos shows, e havia até trabalhado com Clint Eastwood! Mas após a “morte” dos westerns, só restou para ele recriar, dia após dia, as migalhas de sua antiga carreira de prestígio num espetáculo em uma cidade cenográfica em ruínas com poucos ou nenhum visitante, e junto de um bando de loucos.



Numa mudança, Carlos descobre o passado do pai e do avô e vai buscá-lo, só para poder se confrontar com um bando de ajudantes insanos, o avô bebum e crianção, e até mesmo uma guerra com oitocentas balas reais entre os artistas que correm o risco de perder sua cidade de fantasia (cidade que é a única coisa que lhes resta), além do perigo de serem pegos pela polícia, que quer se ver livre daqueles doidos infestando o local.

O espanhol Álex de la Iglesia começou sua carreira em 91, com o curta Mirindas Asesinas, que em sua época de lançamento foi muito bem elogiado. Mesmo neste curta podemos ver o que moldaria o estilo de Iglesia. Sua utilização da violência, a implantação de referências cinematográficas e de gibis (ele mesmo trabalhou com gibis antes de começar a carreira de diretor) aqui e acolá, seu senso de humor negro e muitas vezes “esquisito”, tudo está aqui. E se as referências já aparecem em Mirindas Asesinas, apesar de serem poucas, em 800 Balas elas vem em número gigantesco.



Para começar, o filme foi rodado no deserto de Almería, na Espanha, mesmo lugar onde foram gravados clássicos do faroeste, como os filmes de Sergio Leone. Um dos personagens principais da trama se chama Cheyenne. Esse nome lhes lembra alguma coisa, algum papel interpretado por Jason Robards? Finalmente, o próprio Julian, o avô bêbado e fracassado de Carlos, havia sido o dublê de Clint Eastwood em filmes como Três Homens em Conflito, Por um Punhado de Dólares e etc, além de ter aparecido, mesmo que de relance, em obras como Patton - Rebelde ou Herói? e Sábata.

Porém, não apenas as referências citadas surgem como as estilísticas também. Espere closes expressivos nos rostos dos atores e nas mãos próximas as suas armas, tiros e mortes em câmera lenta, sombras se alongando nas areias do deserto, além de diversos momentos em que pensará “eu já vi isso antes”. O duelo final entre Cheyenne e Julian é praticamente igual ao duelo entre Harmônica e Frank, no final de Era uma Vez no Oeste.



Apesar de em certos momentos a quantidade de referências jogados no espectador incomodar um pouco, o filme não é apenas uma paródia do gênero, indo além de uma simples piada e misturando drama, comédia e ação em diversos momentos com um roteiro relativamente bem amarrado. Ocorre também uma desmistificação dos ídolos, uma descontrução do mito do “cowboy” justiceiro e que sabe sempre o que está fazendo. È claro que Carlos admira o avô, pois ele representa a liberdade que ele aspira por ter da sua mãe ultraprotetora (Carmen Maura) e que escondeu toda a história fantástica de sua família do garoto. Mas também não se pode negar que Julian é um bêbado irresponsável, que constantemente coloca o menino em situações que lhe poderia custar a vida, e que num acesso supremo de loucura, resolve fechar a cidade cenográfica com uma barricada e atirar para matar nos policiais que tentam invadir, situação que em um filme onde tratasse o lado do policial, Julian seria facilmente considerado o vilão. Seus companheiros de show parecem muito heróicos e corajosos em suas fantasias porém logo se revelam completos idiotas, traidores, malucos, negligentes, vagabundos e a lista de adjetivos pejorativos poderia continuar. No final, são todos verdadeiros derrotados, que não tem esperança de ganhar a vida senão entretendo as pessoas com um espetáculo pobre, e que se deixaram afundar nos seus personagens e hoje esqueceram a vida de verdade.

Num resumo final, 800 Balas é um filme basicamente de entretenimento, sem pretensões de ser realmente algo mais do que uma bela homenagem aos westerns. Bem-humorado, com boas cenas de ação, direção que não quer se mostrar demais, só o suficiente para deixar sua marca característica, 800 Balas não parecee em nenhum momento realmente um filme espetacular. Talvez se alongue mais do que deveria, porém, tendo ele sido realizado de maneira tão simples, sem tentar fazer revoluções cinematográficas ou o novo clássico do século XXI, acaba conquistando o espectador quando recorre à memória dos seus filmes preferidos, principalmente se esse espectador for fã de cowboys solitários que se encaram numa rua empoeirada do oeste.

Klaus

Um comentário:

Nightmare on Shunna's Club 2 disse...

Está excelente o seu texto ,klaus!
E a escolha do título não podia ser mais acertada!
800 Balas é um filme que merece ser conferido por todos e sendo do Álex de la Iglesia , só poderia ser muito bom , como todos os outros que ele fez!